sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Telepresença: o templo da imagem - Robson Terra
Já em 1934, Paul Valéry profetizou: "O espantoso crescimento de nossos instrumentos, e flexibilidade e a precisão que eles atingiram, as idéias e os hábitos que introduziram, nos asseguram modificações próximas e muito profundas da antiga indústria do Belo." As sombras do Gato Preto, silhuetas humanas, recortadas em zinco, passeando por trás de uma tela branca de um metro de largura, transmitiam todas as emoções dos enredos. E as imagens feitas com a mão projetadas na parede, nos dias de chuva? Encantamento puro.
O pião mágico multicor
Na infância, existiram fotografias que, sob a pressão dos dedos, forneciam a imagem de uma luta de boxe, ou de uma partida de tênis. O velho monóculo, nos anos 1960, que colocado nos olhos dava à foto a dimensão do cinema na caixinha de plástico colorido. Ou o caleidoscópio que cria labirintos de pedras, luz e cor. Até a chama do isqueiro promove encantamento, assim como a luz do vagalume na noite escura.
Na TV, a magia da transmissão "ao vivo" seduz gerações. Antes da chegada do videoteipe, tudo era transmitido em tempo real, gerando o que Jost chama de "modelo de promessa". A transmissão da chegada do homem à Lua, em 1969, deu à TV brasileira um referencial de divino, pois "estar na Lua é estar perto de Deus". O homem chegou lá. As imagens coloridas, em 1972, na telinha da TV, alucinaram o Brasil. A tecnologia transforma o mundo para o bem e para o mal...
Na eleição de Obama, figura emblemática constituída por simbolismos diversos, a cobertura da votação provocou novo impacto como o pião mágico multicor girando, destinado "a verificar o tempo em que as imagens persistem no fundo do olho".
O futuro volta ao passado
Antes de continuar a leitura, veja o filme:
http://edition.cnn.com/video/#/video/politics/2008/11/04/blitzer.yellin.hologram.obama.cnn?iref=videosearch
Chocante! A repórter Jessica Yellin, a 1.150 quilômetros de distância, em Chicago, surge como um milagre televisivo em 3D na cobertura da celebração da vitória de Obama. Segundo Veja, "a técnica empregada pela CNN foi a telepresença 3D. No parque de Chicago, 35 câmeras de alta definição filmavam Jessica sobre um fundo verde, captando seu corpo sob todos os ângulos. As imagens eram enviadas a vinte computadores, que as juntavam e reconstruíam a figura de Jessica à perfeição... Jessica foi incrustada num cenário, como se faz com as apresentadoras da previsão do tempo, só que por meio de uma imagem virtual eletrônica".
Como truque de mágica, a cena entra para a história da TV mundial. O futuro volta ao passado na percepção da imagem que entorpece de ilusão, consentida e consciente. Conforme Aumont, "a ilusão foi valorizada, de acordo com as épocas, como objetivo desejável da representação, ou ao contrário criticada como mau objetivo, enganoso e inútil".
O mundo fantástico do cinema
Desde a Grécia, com o quadro pintado por Zêuxis com uvas tão bem imitadas que os pássaros vinham bicá-las, às aparições "milagrosas" dos santos para os puros, às miragens do deserto, a ilusão teatral de grande apelo sensorial, os fantasmas, os sonhos constantes e indecifráveis, os truques das imagens, trazem o que Kant designava assim: "o sentimento de um prazer e ou de um desprazer" que atende à necessidade de vivenciar emoções fortes, como medo, surpresa, novidade, bem-estar de corpo e mente.Esse envolvimento explica e traz para o fato real, a cobertura da vitória do mítico Obama, recursos do mundo ficcional fantástico do cinema, em efeitos divinos, para apresentar a realidade que o jornalismo da TV precisa transmitir em tempo real. Mesmo com todos aqueles truques. Evoé!
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Identificação: fenômeno dramático Por Robson Terra
O segredo estava no fenômeno da identificação da audiência com a grade de programas que ela não podia escolher e era escolhida. Assistia-se ao que os executivos competentes decidiam nos gabinetes mitológicos. Com as novas mídias, o cordão umbilical se rompeu, a audiência pulverizou-se e é preciso buscar o elo perdido, ou pelo menos, segurar, por mais algum tempo, os telespectadores ainda cativos.
Aqui a palavra identificação é a chave para se entender esse domínio sobre a audiência. Vem da teoria psicanalítica como "a forma mais originária do laço afetivo com um objeto". A chamada "fase do espelho" quando o telespectador se identifica com seu próprio olhar e se sente como foco de representação, como sujeito privilegiado, central e transcendental da visão. É o lugar de Deus, de sujeito que tudo vê e se vê.
O mesmo sotaque e menos histeria
Ou como citou Friedrich Nietzsche, a identificação é fenômeno dramático fundamental, presente em todas as artes do espetáculo, que é "ver a si mesmo metamorfoseado diante de si e agir agora como se tivesse entrando em outro corpo, em outra pessoa".
O frenesi pela identificação justifica a interatividade excessiva e artificial promovida como isca pelos programas. Está no vídeo do seu filho na TV, sorrindo ou chorando, o concurso do bebê mais bonito, o bola-murcha e o bola-cheia, quadros como De volta para casa, o BBB, no bate-papo com a estrela após a participação no programa, nas perguntas dos internautas respondidas durante o futebol ou transmissão do carnaval, do fã de carteirinha ou o slogan "A gente se vê por aqui" e outros. Interatividade a todo custo para manter cativa a audiência.
A novela Três Irmãs busca essa identificação com estrelas do horário das oito. Para trazer os jovens de volta para a frente da telinha ao mundo do surf se juntam mocinhas e garotos, um festival de pranchas e equipe especializada em filmagens nas ondas. Ao mesmo tempo, busca reforço no elenco maduro e situações já vistas destinadas ao público mais velho. A personagem de Regina Duarte é a mistura de Mary Poppins (do cinema) com a antológica Viúva Porcina, com o mesmo sotaque e menos histeria.
Malhação das 6, Malhação das 7...
O público da TV "se identifica por simpatia com este ou aquele personagem em virtude de seu caráter, de seus traços psicológicos predominantes, de seu comportamento geral, assim como na vida sentiríamos simpatia por alguém, devido, acredita-se, à sua personalidade".
A TV tem grande capacidade de mudar a embalagem do mesmo produto e talvez esteja aqui o segredo do seu sucesso ou da fuga da audiência, que já não suporta ver o mesmo enredo repetido eternamente com o rodízio de personagens/atores. Se as pesquisas sobre fuga de audiência revelam o jovem como vilão, que após a Malhação foge para a internet, a saída foi criar a Malhação das seis, a Malhação das sete. Após o Jornal Nacional tudo está mais ou menos garantido. Por enquanto...
Encerrando com Roland Barthes: "Devoro com o olhar qualquer rede amorosa e nela detecto o lugar que seria meu se dela fizesse parte."
terça-feira, 23 de setembro de 2008
METAMORFOSE DO MEDO Sempre aos domingos
Por Robson Terra | |
Teóricos da mídia afirmam que não se deve ver TV sem o referencial da lógica econômica. O conteúdo e forma dos programas menos importam. A qualidade da produção da TV brasileira é conseqüência da busca de audiência. A garimpagem ostensiva de pontos. Esse vale-tudo midiático tem nos conteúdos do telejornalismo elementos de sedução fundamentais. Desde o apogeu do rádio, os informes jornalísticos causavam apreensão e certo pânico aos ouvintes. A abertura e marca registrada do Repórter Esso, com a introdução clássica do rufar de tambores e o som bélico do trompete, compunham, com a narração impostada dos locutores, perturbação emocional e ouvidos atentos. Tinha-se horror do noticiário que trazia a crueldade do fato real, a cada hora, em detrimento dos devaneios dos programas musicais, de auditório, radionovelas, ou humorísticos politicamente incorretos. A publicidade também vendia insegurança que o produto anunciado resolvia. A angústia, a dor e o sofrimento sempre foram instrumentos de controle social. Em casa e no convívio social. Pais, escola, polícia, igreja, as instituições, exercem o poder coercitivo através do medo. "Menino, não sai de casa que o bicho te pega!" A chamada epidemia do medo. O bicho-papão eletrônico Os programas jornalísticos dominicais, de grande audiência, trazem nas pautas as cenas do próximo capítulo da insegurança. O Fantástico começa com as sobrancelhas arqueadas de Zeca Camargo, o tom de voz grave e a quase ameaça se o telespectador não acompanhar o rosário de narração das chacinas, acidentes do final de semana, martirização e crucificação de Joãos e Isabellas, os ataques dos traficantes cariocas, policiais despreparados, doenças desconhecidas e remédios novos. Os perigos iminentes compõem o mosaico de temas violentos ou "a exposição do espectador à contemplação do espetáculo do sofrimento à distância", conforme Izabel Szpacenkopf em O Olhar do Poder. Os Fantásticos da Globo e da Record vêm recheados de dores novas. O bicho-papão eletrônico tornando refém a família, ajustando relacionamentos de audiência nas cidades grandes e promovendo a filosofia do medo nos turistas apavorados. Vive-se o pânico ao sair de casa e encontrar na esquina a bala perdida, a falsa blitz, o assaltante, o Nardoni, o arrastão na praia ou o mosquito da dengue. Aconchego, proteção e audiência Os fantasmas da semana, sob fabricação hipnótica dos noticiários ou travestidos nas alucinantes revistas televisivas, promovem a intoxicação emocional com os crimes espetaculares e que a escalada da violência não nos deixará impunes. Lembram um dos grandes sucessos em novelas, no horário nobre, A Próxima Vítima? Funciona assim. Vende-se a idéia de que sair de casa é risco, ausência e dor. Presença no lar é ponto precioso nos GRP, Gross Rating Points, literalmente pontos brutos de audiência. Vende-se mercado e lucros. No fetiche midiático de domingo, a mistura de conflitos, guerras, casamentos, fatos macabros, desajustes familiares, crimes chocantes, tendências da moda, noções de etiqueta, crueldade do humor e carnavalização do futebol, poucos cidadãos se salvam na escalada do "limiar histérico". Até hoje o Brasil lembra quando Hélio Costa, o primeiro repórter internacional do Fantástico, em 1973, no apogeu da ditadura militar, trazia o medo internacional em matérias extraordinárias do jornalismo científico. E ainda hoje, quando a voz do repórter, associada ao transtorno provocado pela notícia, ecoa na tela, remete ao trauma daqueles tempos. O país tinha medo do que acontecia aqui e no estrangeiro. A tela da TV trazia o pavor, mas confortava a nação com aconchego, proteção e audiência. |
O "HOMEM ARCAICO" O zoológico na televisão
O estímulo ao êxodo rural, nos anos 1960, promoveu um processo de urbanização perverso, com a descaracterização e desorganização dos sentido e existência da população rural brasileira. Na cidade perdeu-se a identidade, virou-se um número, o chamado CPF, o desemprego sufocou, marginalizou e a saudade das origens e a solidão urbana continuam a perturbar o sono. "O preço da liberdade" Segundo Edgar Morin, o papa de todos nós, "a cultura de massa promove a desagregação dos elementos arcaicos da festa. Reunião de vizinhos, parentesco e amizade não constituem mais relações de proximidade. Com a aglomeração urbana, com a indiferença quanto à identidade e origem das pessoas, o ser humano busca uma reação contra um universo abstrato, quantificado, objetivado, fazendo uso de um retorno às fontes primeiras da afetividade. As atividades e o lazer voltam-se para o homem arcaico que cada um traz dentro de si". Novelas como Cabocla, Pantanal e o núcleo interiorano de A Favorita são chiclete para os olhos. A trilha sonora com clássicos sertanejos completa a harmonia do quadro. Assim, o homem arcaico precisa reencontrar a memória perdida, respirar o "ar puro" televisivo que lhe resta, renascer com a evocação do passado ou sensações que podem ser de grande utilidade no presente como suporte para o existir. Buscar raízes sólidas na relação com o mundo. Na tela da TV, os animais, em paisagens plácidas, ensinam, em Cyrulnik, "que o mundo dos homens, embora sujeito a um constante processo de criação, permanecerá sempre por inventar. É neste trabalho de invenção que reside a nossa transcendência e a nossa inclinação para a loucura. Este é, talvez, o preço da nossa liberdade". |
domingo, 14 de setembro de 2008
Artigo do Professor Robson Terra
Programas tradicionais do rádio como Ronda policial ou A cidade contra o crime promovem, desde os anos 1960, a felicidade da audiência das emissoras. O jornalismo de sensações, ou jornalismo sensacionalista, com manchetes "desenhadas" com sangue, estimula o deleite do público ávido por novas emoções e revelação de expressões sádicas. É comum ouvir que tal jornal, "se espremer, sai sangue". Hoje, a programação da televisão brasileira que se autodenomina portadora de certificado de qualidade, pretende camuflar ou fazer a maquiagem do conteúdo popularesco que inspira a pauta de suas edições em apelação, vigorosa e desesperada, no sensacionalismo dos telejornais.
Com o advento das novas mídias, os meios de comunicação de massa estão disputando centímetros de leitores ou pontos preciosos na audência para reposicionamento estratégico de mercado. Um desespero nunca visto antes. A ditadura da classe D, que ainda prestigia a audiência televisiva com olhares submissos e envolvidos nos melodramas mexicanos e brasileiros, promove a volta da programação aos primeiros anos da história da TV, classificada por Sérgio Mattos, no livro A história da televisão brasileira, como a "fase populista", no período de 1964 a 1975, "quando a televisão era considerada um exemplo de modernidade e programas de auditório de baixo nível tomavam grande parte da programação". Foram anos de sedução do espectador ao modelo de programação televisiva, inspirada no rádio e com o toque pouco sutil do grotesco que Muniz Sodré definiu como "o signo do excepcional, do mau gosto, do marginal".
A "purgação da paixão"
Brilharam, nesse período, Dercy Gonçalves e o seu Dercy de verdade, na TV Globo, com as tragédias humanas expostas para cativar audiência. Jacintho Figueira Jr e seu O homem do sapato branco, Sílvio Santos em Boa noite, cinderela e Raul Longras exploravam a infelicidade humana. Nos anos 2000, O programa do Ratinho reconstruiu esse momento ímpar na TV com seus testes de DNA, anarquia, sadismo, desestruturação da família, pancadas, palhaços e reportagens cujo enfoque jornalístico revelava caráter duvidoso. Até o asséptico autor Manoel Carlos, em Laços de Família, da Rede Globo, usou em sua obra a poção divina do Ratinho, porém glamourizada pelas paisagens do Leblon, a beleza de Vera Fischer e embalada por Tom Jobim. Deu certo: o Ibope respondeu positivamente.
Hoje, a juventude se afasta da televisão e busca no computador, cibers ou lans outra opção de lazer, ou de estar inserido no mundo, na busca da espetacularização do eu e da possibilidade formidável de gerar conteúdo para a mídia eletrônica. Os programadores precisam manter cativos os telespectadores que, ainda assustados com as novas tecnologias, garantem a vigília da programação. Mesmo a terceira idade está descobrindo, aos poucos, o mundo fascinante, mágico e livre da internet. E aqui a produção da nova programação da TV traz o cheiro do ralo onde os telejornais, as novelas, as atrações de entretenimento e os programas de auditório apelam para o velho e definitivo grotesco, promovendo, a cada edição, uma nova enxurrada de crimes, tiros, sangue, violência, acidentes e muita catarse, fenômeno do teatro que significa "a purgação da paixão" e que dá ao telespectador a sensação de proteção e alívio quando o mundo lá fora está um caos.
Velhos mecanismos
É ver o sofrimento do outro protegido no sofá da sala. É o ápice do conforto. No noticiário da TV, a epidemia de dengue e as mortes conseqüentes ganham um apelo sensacionalista cruel. Não se vê uma campanha de prevenção ou de esclarecimento sobre a doença. Só morte e morte. Com direito a obituário eletrônico, como nas grandes tragédias mundiais. E reportagens com as famílias das vítimas num apelo de sedação e oportunidade. Os feriados prolongados promovem um festival de imagens de carros com ferros retorcidos e estatísticas apavorantes de mortos e feridos.
Com tanta tragédia explícita nos telejornais, a mídia televisiva garante pontos do Ibope na engrenagem da nova programação, ressuscita velhos mecanismos do tradicional e bom rádio e dos jornais sensacionalistas. Porém, seus apresentadores não conseguem disfarçar o constrangimento de pautar, editar e anunciar tanta notícia apelativa. Ou seja, se alguém furar a televisão, espirra sangue...